segunda-feira, 10 de agosto de 2009

... (por maurício)

-Maurício o que você ta fazendo?
- Vendo desenho.
- Vem cá rapidinho. - fui.
- Faz um favor pra mim?
- Tá.
- Vai até o mercado e compra 4 peitos de frango e um quilo de arroz? Depois vai até aquele "pet shop" que tem na esquina e compra um Wyskas de peixe com vitaminas?
- Tá.
Fui.
Voltei.
- Tó tia.
- Obrigado.
- Seu troco também...
- Pode ficar.
Desliguei a Tv e fui até a cozinha. Minha tia começou a preparar a mistura: Desossou os peitos do frango; cozinhou o frango e o arroz. Misturou tudo depois em uma panela. Parecia estranho. Não queria comer aquilo. Pra minha sorte ela abriu o Wyskas de peixe com vitaminas e misturou à mistura de arroz com frango. Serviu seus gatos. Alguns gostaram, outros não. Não importava.

- Vamos até a igreja?
- Pra que?
- Ver o Senhor.
- O padre?
- Não, Jesus.
- Tá.
Descemos pelo elevador. Chegou um menino:
- Tia me da um dinheiro pra com...
- Não tenho. (ela tinha, eu sabia)
- Mas tia, eu tou com muita fom...
- Vá pedir pra sua mãe! Vá trabalhar! Por culpa de pessoas como você é que esse país não anda.

Eu continuava sabendo que ela tinha dinheiro e que o Brasil não tinha rodas. Mas não disse nada. Não queria causar nenhuma briga. Entrei no carro e fomos à igreja.
Não achei aquilo interessante. O padre ficou falando por duas horas. Uma hora as pessoas levantavam, outra hora abaixavam e outra hora ajoelhavam. Tudo era muito triste lá dentro, a não ser na hora que todos se abraçavam e diziam "paz de Cristo". Eu queria ver Jesus, mas só via bonecos tristes e sangrando pintados nas paredes. Minha tia tinha me enganado, eu sabia. Me enganou como fez com o menino que queria comer.
- Tia, cadê Jesus?
- Dentro de você.
- Tia.
- Oi?
- Eu tou grávido?
- Não idiota. Jesus está em nossos corações. Se você ajuda aos pobres, não mente, leva uma vida perfeitamente dedicada a ele, ele se revela em seu interior e ajuda em sua vida material. E depois de uma vida material dedicada a Ele, somos salvos e vamos pro céu.
Sabia que ele não ía tar lá. A tia sempre me enganou. Numa hora começou a passar uma caixa pelos bancos. Minha tia me deu 50 reais pra colocar na caixa. Eu tinha 2 reais no meu bolso. Fiquei pensando em pegar aqueles 50 reais pra mim, e trocar com os meus dois, mas se eu pegasse não iria pro céu. Levei os 50 até a sexta. Me olharam sorrindo. Fiquei feliz.
- Colocou lá?
- Sim.
- Não roubou não né?
- Não. Tia pra onde vai esse dinheiro?
- Pra igreja.
- A igreja é pobre?
- Não.
- Então porque a gente tem que dar nosso dinheiro pra ela?
- Menino, não faça perguntas difíceis e nunca questione a igreja. Você quer ir pro inferno?
- Quem está lá?
- As pessoas que mentem! As pessoas hipócritas. Os pecadores e fornicadores!
- O que são fornicadores?
- Menino! Fala baixo! Você está numa igreja. Agora senta o rabo nesse banco que depois te compro uma pipoca.
- Tá.
Ela mentiu de novo. Nunca me comprou pipoca nenhuma. Descobri anos mais tarde o poder e a história das igrejas. O quanto elas podem ganhar em um mês de "trabalho árduo" também. Descobri que não importa o quanto seja grande a pobreza e a nojera do mundo, pessoas como eu ou minha tia acabam sempre aprendendo a ignorar a fome da outra pessoa pra poder comprar comida pro gato no pet shop ou pagar o dízimo, afinal se a vida for eterna é bacana viver num lugarzinho legal depois daqui. No dia que minha tia morreu, eu ainda acreditava em deus. Fui até seu caixão e rezei baixinho:
- Jesus, deixa ela pelo menos no purgatório como "fiscal das entradas do céu", ou algo assim. Não manda ela pro inferno não. No fundo no fundo... ela era uma tia legal. Nunca me comprou pipoca mas me trazia na igreja pra tentar te ver dentro de mim... - e saí de lá pra comer um pão de queijo.
Acho que não deu certo não. Se minha tia estava certa, fudeu! Todo mundo vai pro inferno!

- Mãe, por que as pessoas mentem?
- Não sei. Por que?
- Acho que é por medo de morrer.
- Quem te disse isso?
- Não sei.
- Filho, você tá muito perturbado. Vai rezar vai...
- Já vou...

Um comentário:

  1. Que o diga Edir Macedo!

    Como disse o velho Marx, a religião é o ópio do povo. Os meios são nojentos, hipócritas, alarmistas... mas será que não se deve dar algum mérito ao fim alcançado?

    Ela faz bem a algumas pessoas, mesmo que seja apenas um escapismo...


    Deus que perdoe essa minha heresia!
    rs

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